22.11.05

Beijos na escola

Uma questão de bom senso


Era verdade mas parecia mentira: o telejornal principal de um grande canal de televisão estava há largos minutos a falar do caso de duas alunas de Vila Nova de Gaia que se queixavam de ter sido impedidas de se beijarem na escola.
Como era domingo, pensei tratar-se de uma questão de falta de assunto: é preciso encher os telejornais com alguma coisa.
Só que, no dia seguinte, e no outro, e no outro, os jornais dedicaram ao caso razoável espaço - e os colunistas começaram a prestar-lhe atenção.
A questão tornou-se mais séria do que parecia.
Já não estava em causa o episódio (um tanto caricato) da troca de beijos entre duas alunas do Norte: estávamos perante uma questão simbólica.
O problema era este: as manifestações de homossexualidade devem ser ou não permitidas no interior das escolas?
Os velhos fantasmas da escola repressiva do tempo de Salazar e da discriminação dos homossexuais vinham de novo à tona.
Podiam ou não duas alunas (ou dois alunos) beijar-se livremente no pátio dá escola?
Para me situar no problema, pensei noutras situações.
O que faria eu se dois jornalistas do Expresso, do mesmo sexo ou
de sexos diferentes, se dedicassem com regularidade a trocar carícias na redacção?
O que faria o comandante de uma unidade se dois soldados do mesmo sexo ou de sexos diferentes trocassem habitualmente beijos na parada do quartel?
O que faria o encarregado de um hipermercado se dois empregados do mesmo sexo ou de sexos difererítes se abraçassem constantemente na área comercial?
Creio que a resposta a estas três perguntas não será objecto de grande polémica.
Porquê, então, tanta indignação relativamente ao caso da escola de Gaia?
Isso tem que ver com uma certa imagem que se criou. Imaginámos duas jovens alunas da província, a sair da idade da inocência, dando expressão. a uma afectividade quase pura, serem barbaramente reprimidas por uma estrutura escolar retrógrada, provinciana, fascizante.
Sucede que as alunas não são propriamente adolescentes: uma tem 18 anos e a outra 17.
Não são as duas de Gaia: uma é brasileira e a outra portuguesa. Trata-se de duas mulheres, portanto, já com alguma experiência. E, nessas circunstâncias, é impossível não saberem que há ocasiões e lugares para tudo.
Há coisas que se fazem em casa e não se fazem na rua, à frente de toda a gente.
Há gestos que se fazem em locais discretos mas se evitam no meio da praça pública.
Até por pudor.
De respeito pela nossa intimidade – e respeito pelos outros. Falar de discriminação sexual e de autoritarismo a propósito deste caso será, portanto, mais do que um exagero, um disparate.
À força de nos querermos mostrar "modernos" e "politicamente correctos", caímos por vezes no ridículo.
Porque não é obviamente recomendável que se troquem carícias no pátio de uma escola, como não é razoável fazê-lo no local de trabalho ou na parada de um quartel.
Mais que não seja, por uma questão de bom senso.

José António Saraiva. (Expresso, 19-11-2005)

4 comentários:

Anónimo disse...

Caríssima:
Esse é um tema actual mas escaldante. Que pensará a "sociedade civil" dele?!
J. Costa

Anónimo disse...

Já perguntaram aos alunos o que eles acham?!

PDivulg disse...

A homosexualidade é tabu e ponto final! O que dizer á proibição de ordenação dos Padres homosexuais?...

Ver para crer disse...

Beijos, beijos... Quem não gosta de beijos.
Mas a escola não é lugar para isso!!! Se não, daqui por algum tempo, parecem lupanares.